Negociação: não aceite conversa mole no lugar da sua resposta

Eu tenho um hobby estranho: me divirto acompanhando com muita atenção as picaretagens que existem no mercado das "ofertas de trabalho em casa" (um dia ainda publico um catálogo dos absurdos desse meio). E nele encontro o exemplo perfeito das asserções vagas oferecidas (e aceitas) no lugar de respostas objetivas.

Antes de prosseguir, um parênteses importante: claro que existem várias ofertas sérias neste espaço, incluindo algumas que não são tão "em casa" assim - me vêm à cabeça os programas da Avon e Natura, vários exemplos de revenda por catálogo ou sacola, bons programas de afiliados e de publicidade contextual na Internet, algumas franquias virtuais, e até mesmo alguns raros sistemas multinível.

Mas minha análise quantitativa não-científica indica que para cada oferta séria neste mercado, existem várias outras que são pura picaretagem: esquemas em pirâmide, fraudes contra anunciantes, e propagandas que não correspondem ao serviço que de fato está sendo oferecido. Muitos são claramente subterrâneos e informais, mas outros se revestem de legitimidade, com contratos, CNPJ, telefonistas e tudo o mais.

E no que eles se baseiam para se expandir tanto? No meu entender, é simples: na expectativa de impunidade e na razoável certeza de que é quase infinito o número de pessoas curiosas e crédulas a ponto de entregar uma pequena quantia (já vi desde "ofertas" de R$ 5 até R$ 90) a um desconhecido em troca de uma promessa vaga e antes mesmo de saber o que ele está sendo "recrutado" para fazer. Mais ou menos como a frase célebre de P. T. Barnun: "Nasce um otário a cada minuto".

E como alguns destes artistas conseguem operar até mesmo de forma legítima? Simples: além de se basear na credulidade alheia, eles têm certeza de que um número suficiente de pessoas, ao analisar suas ofertas, lerão o que desejam ler, e não o que está escrito. Por isso, substituem afirmações objetivas por assertivas vagas, e o seu público alvo "come com farinha", como se diz por aqui.

E esse fenômeno é comprovado por boa parte dos mais de 1400 comentários no nosso artigo anterior "Trabalho em casa: como encontrar um emprego e escapar das armadilhas"...

O que são essas asserções vagas?

Simples: são afirmações amplas que tocam no assunto que o interlocutor quer ouvir, mas não dizem o que ele de fato precisa saber, no seu interesse.

Por exemplo: em uma oferta do tipo "ganhe dinheiro em casa", ao invés de se comprometer a pagar uma quantia em troca de um serviço prestado, o anúncio diz algo como "você pode ganhar até R$ 2.200 por mês" (sem dizer quem pagará, e geralmente sem esclarecer em troca de quê). Do mesmo modo, ao invés de oferecer uma estatística sobre percentual de sucesso entre as pessoas participantes, ele oferece apenas um ou 2 exemplos (verdadeiros ou não) de pessoas que realizaram compras luxuosas (um carro importado, uma casa) ou alcançaram símbolos de status após aceitarem a mesma oferta (mas sem dizer nem mesmo que a causa disso foi ter aceito a oferta).

Você aceitaria algo assim? Creio que não. Mas centenas de pessoas todos os dias depositam R$ 30 na conta de estranhos para "dar início à sua contratação", ou aceitam trabalhos estranhos em que tudo o que têm a fazer é ficar clicando em anúncios, sem lê-los, na web. Apesar de todos os alertas sobre as fraudes envolvendo anúncios de "ganhar dinheiro com malas diretas", ou envelopando ofertas, ou via "sistemas de trabalho em casa" dos mais variados, isso continua dando certo, porque as pessoas estão dispostas a acreditar no que nem mesmo está escrito.

Na prática (fora das ofertas de "trabalho em casa")

Claro que a questão das ofertas de trabalho em casa está aqui apenas para ilustrar. Acontece que nos treinamentos de negociação para vendas e contratação, muitas vezes os profissionais acabam sendo treinados para fazer algo parecido com seus clientes: ao redigir suas peças publicitárias ou responder a perguntas inconvenientes, tocar no assunto que interessa ao interlocutor de forma que o satisfaça, mas que não necessariamente informe o que ele de fato queria saber - o que não necessariamente envolve alguma indução ou propaganda falsa, mas certamente não é um exemplo de ética e transparência nos negócios.


Chega de conversa mole

Vamos a um exemplo: um comerciante está interessado em abrir uma filial de sua loja, e considera abri-la em um shopping no centro da cidade, especialmente porque acredita que vai poder se beneficiar do investimento constante em marketing que o shopping realiza. Visita o diretor do empreendimento, e seu diálogo inclui o seguinte trecho:

- A razão principal do meu interesse é o investimento constante que o shopping realiza em marketing. Posso acreditar que este investimento continuará assim?

- O senhor está fazendo uma excelente escolha, lembra como nosso estacionamento lotou durante a campanha de Natal do ano passado? E no dia das mães deste ano tivemos até mesmo que ampliar emergencialmente as instalações elétricas para evitar sobrecargas. Nos últimos 4 anos o shopping investiu mais de R$ 300.000,00 por ano em publicidade, e a clientela vem crescendo de forma constante - somos exatamente o que o senhor precisa.

Você já sabia o que procurar no texto, e deve ter percebido que o que o diretor respondeu não era o que o comprador estava perguntando. Ele queria um indicativo ou um compromisso, e recebeu apenas informações sobre o histórico. Como são positivas e exatamente no sentido em que ele gostaria, é completamente plausível que ele considere sua pergunta foi respondida. Mas não foi, e neste caso específico, o diretor havia acabado de vir de uma reunião em que foi levantada justamente a possibilidade de cortar em 40% as verbas de publicidade para o semestre seguinte.

Quando uma pergunta objetiva é respondida com uma asserção vaga, muitas vezes o interlocutor empático percebe que a outra pessoa não está querendo tocar neste assunto, e acaba permitindo que isso ocorra. Este tipo de cortesia é bem-vindo em relações sociais, mas não nas profissionais - se você está negociando, precisa prosseguir nos seus questionamentos até receber uma resposta suficientemente concreta e objetiva.

"Conversa mole"

Portanto, na próxima vez que você estiver em busca de uma afirmação ou um compromisso, e receber apenas "conversa mole", lembre-se das regras da negociação efetiva, e continue insistindo em sua questão, até ter uma resposta objetiva, ou uma admissão da impossibilidade de se comprometer!

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