Efetividade ao contrário: há quantos "acidentes esperando para acontecer" na sua vida?

Cada vez que acontece um acidente de maior porte com aeronaves, somos lembrados pela imprensa de que estas ocorrências são consequência de um conjunto de circunstâncias imprevistas (ou falhas, dependendo do caso) encadeadas, e que bastaria que uma delas não tivesse ocorrido para que o acidente fosse evitado.


Um acidente esperando para acontecer?

Como geralmente causam grande número de fatalidades, estes acidentes são mais visíveis na mídia - só que um acidente de menor porte e gravidade, mas que ocorre a alguém próximo, pode ser sentido de maneiras bem mais evidentes.

Um exemplo rasteiro (e real, e ainda não resolvido - pode ir lá na esquina da Av. Dourados com a Av. das Algas e verificar!) do encadeamento de causas que conduz a acidentes, funcionando de maneira oposta ao conceito de efetividade:

  1. a uns 150m da minha casa, em Florianópolis, há um cruzamento em forma de rótula em que andavam acontecendo colisões.
  2. a prefeitura foi chamada, e instalou 4 lombadas, uma em cada acesso à rótula, sempre a 2m da própria rótula - potencialmente tarde demais para evitar as colisões.
  3. as lombadas, bem altas, não foram pintadas nem sinalizadas, o que acabou mudando a natureza dos acidentes que aconteciam por ali, especialmente à noite, com carros perdendo pedaços, e colisões traseiras quando alguém percebia o obstáculo e freiava em cima da hora.
  4. a prefeitura foi chamada de novo, não pintou as lombadas, mas colocou placas de sinalização de lombada exatamente ao lado delas. Como as lombadas estavam a 2m da rótula, isso significa que as novas placas estão agora 50cm à frente das placas de "PARE" que indicam o cruzamento, impedindo completamente que elas sejam vistas pelo motorista.

Qual será o próximo passo? Aguardo os próximos capítulos...

Só que os acidentes do dia-a-dia, mesmo pequenos, nem sempre são causados por estupidez administrativa. Pessoas conscientes e plenamente capazes deixam de prevenir situações que escapam facilmente do controle (como as imagens do site ThereIFixedIt que ilustram este texto), envolvendo eletricidade, gás, alturas, veículos, construções e tantos outros elementos do nosso dia-a-dia. E elas podem ter graves consequências para nossas vidas, como percebe quem chega a estar próximo de um acidente sério.

A atitude de prevenção é simples, e no caso de nós, os amadores, pode se basear na assunção de que os acidentes estão à espreita, esperando pelas condições que permitem que eles ocorram. Partindo do exemplo positivo (mas mesmo assim imperfeito) do sistema aéreo, quero discorrer em seguida sobre o recente e trágico caso do cortador de grama de Araçatuba para, a partir das diferenças evidenciadas, lançar o questionamento sobre os acidentes em potencial que não estamos evitando.

Todas as salvaguardas e redundâncias podem ser insuficientes

Isso é assim porque todo o sistema aéreo é projetado com foco na segurança, com as redundâncias e salvaguardas necessárias para evitar o que pode ser previsto. Para exemplificar: num acidente recente em que a pista curta do aeroporto central de São Paulo foi vista como vilã, as causas investigadas incluíam o coeficiente de atrito da pista, a ausência de ranhuras ("grooving"), a chuva, erro da tribulação, erro do controle de vôo e... a pista curta.


Aproximação ao Aeroporto de St. Maarten, nas Antilhas

Algum dos fatores acaba sendo determinante, mas o acidente precisa dos demais também - senão ele não consegue acontecer. Às vezes o acidente acaba tendo entre suas causas também um comportamento intencionalmente inseguro (exemplo: piloto de jatinho fora da cobertura do controle aéreo desliga "transponder" e aumenta seu risco de colisão), ausência intencional de procedimento de segurança (exemplo: piloto que errou a rota não entra em contato com o solo - preocupado com sua carreira? - e acaba caindo sem combustível e longe de onde deveria estar), ou mesmo possível erro de projeto (reversor que abre durante a decolagem, pitot que produz leituras erradas de velocidade, ...)


Um acidente esperando para acontecer?

Mas para cada situação em que o acidente chega a acontecer, não temos idéia de quantos outros incidentes ocorreram e as salvaguardas funcionaram como deviam. Não apenas as situações em que o sistema secundário ou de redundância foi ativado automaticamente como deveria ser, mas também aquelas em que a falha em um ponto foi compensada pelas medidas tomadas em outro ponto. Por exemplo:

  • A pista é curta e escorregadia, a chuva apertou, mas o piloto arremete a tempo
  • O controle de tráfego autoriza 2 vôos a usar a mesma pista ao mesmo tempo, mas as tripulações percebem
  • Um avião voa fora da rota prevista, e o sistema anti-colisões do outro evita o choque
  • etc., etc.

Não-acidentes raramente são notícia, mas todos os dias há milhares de pessoas se dedicando a prevenir e evitar a ocorrência destes sinistros.

O cortador de grama de Araçatuba: adeus às salvaguardas

Discorrer sobre acontecimentos trágicos recentes sempre corre o risco de resvalar no mau gosto, mas o exemplo é tão claro e ilustrativo que seria difícil não mencionar pelo menos alguns de seus detalhes principais.

O G1 resume o desfecho:

Casal morre eletrocutado quando usava cortador de grama: Um casal morreu eletrocutado em Araçatuba, a 530 km de São Paulo, na noite de sexta-feira (2). M. V. S., de 38 anos, usava um cortador de grama quando ocorreu a descarga elétrica, que atingiu também a mulher dele, M. S. V. C., de 49 anos. (...) De acordo com a família, M. recebeu a descarga elétrica enquanto trabalhava com o aparelho. A mulher tentou ajudá-lo, mas também foi eletrocutada.

Acidentes e fatalidades envolvendo máquinas de cortar grama eram um acontecimento mais comum na minha infância, porque os cortadores ainda não eram produzidos com as salvaguardas de hoje, incluindo um bom sistema de isolamento elétrico. Só que o infeliz protagonista usava um modelo bem antigo (foto abaixo), cuja haste de controle era de metal condutor, sem nem mesmo manoplas isolantes.


O cortador com sua haste sem isolamento das mãos

Ilustrando a situação das salvaguardas, a notícia nos dá várias pistas dos outros fatores que contribuíram para a formação do acidente, e para o seu agravamento:

  • O isolamento normalmente não seria tão exigido (exceto como precaução importante), mas no dia do acidente a grama estava molhada, após uma chuva recente.
  • Em caso de choque elétrico, a providência mais urgente que uma testemunha pode tomar é desligar os disjuntores, cortando a corrente, mas a esposa aparentemente cedeu à reação instintiva e aproximou-se da vítima, sendo assim eletrocutada em conjunto.
  • Neste tipo de descarga, existe a possibilidade de os disjuntores desarmarem sozinhos - em grande parte, é para isto que eles estão lá. Mas o cortador de grama estava ligado diretamente na caixa de distribuição de energia, que em geral abriga, na chave geral, o disjuntor intencionalmente menos sensível de toda a instalação.

Não estou querendo encontrar culpados ou responsáveis pela situação, mas os pontos acima ilustram pelo menos 4 decisões que, se tivessem sido tomadas de outra forma, poderiam ter evitado o acidente, ou ao menos reduzido seu dano:

  • Não usar uma máquina fora das condições mínimas de segurança
  • Não usá-la em uma situação especialmente insegura (com o terreno molhado)
  • Afastar-se da vítima que está sendo eletrocutada, e desligar a corrente
  • Conectar a máquina a uma tomada apropriada, com proteção adequada de disjuntor.

Parando para pensar, lembro claramente de ter visto cortadores de grama antigos e tomadas externas, sem proteção e ligadas diretamente ao quadro geral, em muitas casas de praia e chácaras por onde passei. E embora eu sempre tome a precaução de instruir as pessoas ao redor sobre o que fazer em caso de acidente com eletricidade quando uso ferramentas elétricas (especialmente a furadeira, mesmo com seu isolamento duplo), consigo entender a reação instintiva que faz a esposa aproximar-se do marido que está sendo eletrocutado, ao invés de correr para o quadro de eletricidade.

Lidar com este tipo de situação, prevendo as circunstâncias inseguras, é uma das atitudes que contribuem para a segurança do lar, do trabalho, do trânsito e de todos os demais âmbitos em que atuamos.

"Isso só acontece com os outros"

O risco deste tipo de acidente é difícil de quantificar, e aí acaba prevalecendo a ilusão de que conosco não acontece, na nossa família jamais aconteceu, e nós sabemos lidar com estas condições, mesmo que para os outros elas sejam inseguras.


Um acidente esperando para acontecer?

Mas aí que está: mesmo que fosse verdade que você sabe lidar com uma condição que para os outros é insegura, a verdade é que mesmo para os outros ela sozinha provavelmente não provocaria o acidente. O acidente ocorre quando ela se junta a outras condições, incluindo imperícia, erro humano, condições climáticas adversas e muitos outros exemplos - e eles também podem acontecer com você...

Da mangueira do fogão ao freio do carro: um inventário dos acidentes potenciais da sua casa ou empresa

Assim, uma forma de reduzir o risco geral de acidentes é procurar antecipadamente as causas potenciais deles, e aí agir adequadamente para removê-las.


Um acidente esperando para acontecer?

Alguns exemplos de questões que podem levar a verificações importantes:

  • Há quanto tempo você não revisa a mangueira de gás atrás do seu fogão? Ela não está encostada no fundo do forno?
  • Tem feito revisão periódica dos pneus, luzes e freios do seu carro?
  • Há móveis ou objetos que permitem que crianças pequenas cheguem às janelas?
  • Os remédios estão fora do alcance de crianças e animais domésticos?
  • As instalações elétricas e hidráulicas estão em dia? Nada de choques no chuveiro, nem disjuntores desarmando por sobrecarga?
  • Alguém se debruça para fora do parapeito para lavar vidraças? Alguém faz pequenos reparos de eletricidade sem desligar os disjuntores?
  • Não há obstáculos que favoreçam tropeçoes ou escorregões nos caminhos mais comuns?
  • Aparelhos e ferramentas fora de condições de segurança são consertados (ou reciclados)? Ou você vai deixando para a próxima vez, porque acha que agora ainda dá para usar?
  • Locais de perigo potencial elevado, como piscinas, estão adequadamente protegidos?
  • Escadarias, porões e sótãos estão bem iluminados?

Claro que se trata apenas de uma pequena lista de exemplos, para demonstrar a atitude necessária à prevenção permanente dos acidentes. Se você quiser uma referência mais detalhada, o Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas tem uma lista mais completa de causas de acidente e suas soluções.

Prevenir é mais econômico e efetivo do que corrigir (e lamentar) - colocar telas de proteção nas janelas da minha casa não foi barato, mas a tranquilidade que elas geram não tem preço, e a perda que a ausência delas podia ajudar a causar seria irreparável.

O exemplo trágico do cortador de gramas foi escolhido por ser recente e ilustrativo, mas todos os dias acontece uma infinidade de acidentes que teriam sido facilmente evitáveis: crianças caem de janelas, vazamentos de gás explodem, instalações elétricas inseguras eletrocutam, escadas mal-iluminadas fraturam, pneus carecas causam derrapagens, etc.

Pensar que só acontece com os outros é uma ilusão. Mas para diminuir as chances de acontecer com você, prevenir é o melhor caminho!

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