Seu blog deveria ser um empreendimento internacional?

Uma das definições para 'empreendimento', segundo o Houaiss, é "organização formada para explorar um negócio". O seu blog é um empreendimento neste sentido? E você deseja que ele atenda ao mercado internacional?

O Blog do Hummel levantou algumas questões interessantes sobre blogs e o mercado internacional, e me convidou a respondê-las. Eu parto de premissas um pouco diferentes das dele, portanto a resposta vai ser longa, tratando sobre a questão do valor gerado pela variedade caótica dos blogs independentes, da importância de estabelecer seu foco (pensando globalmente para agir localmente) e o questionamento sobre o relacionamento causal entre foco local e ausência de inovação.

Ao final eu apresento o meu próprio posicionamento sobre o assunto, e abro a discussão para quem mais quiser contestar, acrescentar ou mesmo expor alguma opinião diversa.

O caos criativo

No artigo anterior "Os blogs brasileiros concorrem entre si?", já expus parte da minha opinião sobre a questão da concorrência entre blogs. Não vou sintetizar o artigo inteiro aqui, mas com 2 parágrafos copiados espero trazer o suficiente daquele artigo para este novo contexto:

De minha parte, não vejo o que ocorre no Brasil como concorrência propriamente dita, embora haja rivalidades aqui e ali, e até mesmo posicionamentos baseados no mais absoluto antagonismo de dono da verdade em cima do caixote. Pessoalmente, estou em competição comigo mesmo todos os dias, buscando melhorar indicadores e resultados, e publicar artigos sempre mais relevantes e que alcancem uma parcela maior dos leitores. Mas sempre consciente de que os eventuais leitores a mais que eu obtenho provavelmente não significam leitores a menos para os demais colegas ;-)

Mesmo assim, vejo como algo positivo a eventual competitividade na busca por oferecer os artigos mais completos, ou mais céleres, ou mais autoritativos, ou a cobertura mais ampla sobre assuntos de interesse. Como nos mercados sadios, quem sai ganhando com esta concorrência é o público - e por não haver a escassez de recursos, freqüentemente os blogs que estão competindo entre si agem como parceiros, se complementam e até mesmo atuam em conjunto de forma direta.

Os blogs não são entidades unidimensionais. Cada um deles tem suas próprias características e se posicionam das formas mais diversas, desde o mais intimista diário pessoal até verdadeiras fontes reconhecidas de informação sobre temas específicos, como o Engadget ou o Lifehacker, com todo tipo de outras diferenciações pelo caminho, cada uma com sua proposta de valor - às vezes voltada para seu autor, outras vezes para uma comunidade ou mesmo para o público em geral.

E é por isso que às vezes eu estranho quando vejo tentativas de agregar um posicionamento coletivo do conjunto de blogs e sites nacionais. Claro que eles podem (e até devem) agir de forma organizada e em grupo sempre que surge a oportunidade, mas repetidas vezes ressurge um pressuposto de que existe uma "blogosfera" com este significado específico: um corpo organizado, integrado pelo conjunto de blogs brasileiros, agindo de forma coordenada. A idéia de blogosfera como comunidade aberta me agrada bastante, mas me parece que sua existência como conjunto unificado, amplo e organizado não vai surgir tão cedo. O que eu acho ótimo, porque é justamente a variedade caótica dos blogs independentes - em relativa oposição à conformidade alinhada e anódina dos mais típicos blogs corporativos - que faz surgir os conteúdos e serviços que mais me agradam e surpreendem.

Neste sentido, vou propor uma mudança de foco antes de responder as interessantes pergunta deste domingo no Blog do Hummel. Ele perguntou (e me convidou a responder) "Como os sites brasileiros podem entrar mais na Web mundial e como cada um pode ajudar nesse processo?", a partir de uma observação dele mesmo sobre a relativa (ou praticamente absoluta?) ausência de sites brasileiros com projeção internacional nestes tempos de web 2.0. Selecionei um trecho do texto dele que parece sintetizar a situação que ele busca tratar:

Dificilmente você vê grandes sites brasileiros com versões em inglês, ou com o foco também voltado para usuários estrangeiros. Novamente, isso não é ruim, a intenção desses sites é satisfazer os usuários brasileiros. Mas será que não poderíamos pegar uma fatia do mercado mundial se investíssemos nisso?

Uma das principais consequências de muitos sites brasileiros se espelharem nos seus correspondentes estrangeiros: não há inovação de fato. Novas funções interessantes, novos modos de interação, características mais intuitivas (não passar vários minutos para achar como adicionar um blog aos favoritos no Blogblogs, o ícone para fazê-lo é minúsculo).

Pense Globalmente, Aja Localmente

A frase "Pense globalmente, aja localmente" é um lema típico do ativismo, e surgiu originalmente no âmbito do pensamento sobre o Desenvolvimento Sustentável. Ela traz em si uma visão que talvez seja útil no contexto que hoje está em discussão.

Eu vejo a questão da participação internacional por um ângulo que talvez seja um pouco diferente do que o Hummel emprega. Nunca perco uma oportunidade de tentar fazer algum de meus sites obter alguma projeção em sites internacionais que sejam referência nos assuntos que eles abordam, mas faço isso com uma razão nada "internacionalista": é uma boa forma de angariar mais leitores brasileiros que já leiam aqueles sites mas ainda não conhecem os meus. Claro que existem vários outros efeitos colaterais positivos de obter alguma projeção em um site de porte internacional, mas o meu interesse de médio e longo prazo em geral acaba parando por aí mesmo - embora eu mantenha uma ou outra iniciativa semi-permanente em inglês, especialmente para apoiar os meus próprios projetos em português, e ao longo dos últimos dias tenha estado ocupado com a criação de um artigo em inglês para o BR-Linux pelos mesmos motivos.

E o caminho que tenho visto por aí, ao menos entre os blogs, é mais ou menos parecido. Um dos blogs fora dos EUA mais bem colocados no rankingo do Technorati, por exemplo, é o do Beppe Grillo, que escreve em italiano para os italianos. E ele não está isolado: o Gigazine e o Arlequin escrevem em japonês, o Fishki é em russo, e o باشگاه هواداران پرشین بلا é em persa. Todos estão entre os Top 100 do Technorati.

Para ficar no âmbito do trecho do Hummel que colei acima: ao se voltar para os usuários de suas próprias comunidades locais, os blogueiros acima conseguiram encontrar seu lugar ao sol em escala internacional, e continuam voltados ao seu próprio público local. Me parece que isso é vantajoso para eles,e até mesmo que eles estão ajudando seus países a "entrar na web mundial", como diz a pergunta.

Montar um site "web 2.0" voltado a prestar serviço para o mercado internacional exige estrutura (e recursos) para concorrer neste âmbito. Lógico que existem estratégias possíveis neste caso, e que todos os dias alguém vai conceber algum plano para realizar este tipo de tentativa. E algumas delas certamente irão gerar o retorno planejado.

Mercado local, inovação e diferenciação

Mas o ponto que eu estou tentando levantar, e que procurei construir ao longo de todo o encadeamento acima, é que não há necessariamente uma relação direta entre a ausência de inovação que o Hummel apontou em uma série de sites nacionais, e o fato de eles estarem voltados para o mercado nacional. E nem é necessariamente ruim (para si próprios ou para seu público) caso eles permaneçam voltados para o mercado nacional - especialmente se souberem inovar, se diferenciar e evoluir.

Quanto ao conteúdo e a suas comunidades, o BlogBlogs e o Rec6 certamente oferecem algo que o Technorati e o Digg não podem nos oferecer justamente por serem globais: o foco na cena local.

Sobre os blogueiros individualmente, creio que no momento atual eles farão melhor se procurarem se ajustar diretamente aos seus próprios objetivos e metas, sem colocar seu foco principal em questões mais amplas de mercado, incluindo a de como agir para ajudar os sites brasileiros a entrar mais na web mundial.

Exceto nos casos em que os blogs são de fato empreendimentos, no sentido de "organização formada para explorar um negócio". Para estes, buscar atuar de forma internacional pode mesmo abrir um mercado gigantesco, e superar os desafios para alcançar este objetivo pode ser algo a que valha a pena se dedicar.

No meu caso, pretendo continuar voltado aos leitores locais, mantendo minha própria proposta de valor, buscando a diferenciação sempre que possível, sem achar que está faltando algo em minha missão se eu não me dedicar a tentar atender também o público internacional. E sem agir como se meus blogs fossem um empreendimento no sentido acima. E é claro que vou também aproveitar as oportunidades de buscar algum espaço internacional sempre que isto me parecer útil para ajudar a alcançar os objetivos locais.

No caso do Hummel, ou dos demais leitores, sugiro que pensem globalmente sempre, e que não achem que estão "devendo" se optarem por agir localmente.

Para completar, uma sugestão: para quem se interessa por estes e outros temas que no futuro acabarão sendo estudados pelos calouros da graduação nas disciplinas "Sociologia dos Blogs" e "Economia dos Blogs" ;-) não deixem de dar uma olhada na iniciativa "Blogosfera Brasileira em Debate", promovida pelo Boombust. Vários temas interessantes foram debatidos de forma bem embasada por gente que de fato compõe a cena dos blogs brasileiros.

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