Discurso com efetividade: como escrever e apresentar para ser entendido

Discurso pode deixar de ser um fantasma. Com algumas dicas práticas, seus discursos e apresentações podem ficar muito mais vivos e ricos em conteúdo - passando melhor a mensagem em formaturas, cerimônias ou mesmo nos palanques políticos.

Nesta época eleitoral, em que milhares de candidatos a prefeituras e câmaras de vereadores do Brasil inteiro disputam a atenção dos eleitores em discursos (seja em eventos públicos, ou mesmo pela televisão), a demanda por bons discursos só aumenta, e a qualidade geral do que ouvimos mostra o quanto todos teríamos a ganhar se os autores e apresentadores destes discursos (sejam eles políticos, paraninfos, homenageados, pais de noivas ou tantos outros discursantes do dia-a-dia) dominassem melhor a arte de comunicar claramente uma idéia.

Usualmente se diz que um bom discurso se identifica por 3 fatores, que devem estar presentes em grau suficiente e adequado ao tema e à circunstância:

  1. brevidade
  2. leveza
  3. repetição

É isso mesmo: os critérios tradicionais não incluem a clareza ou a empatia. O discurso tradicional muitas vezes é escrito pensando em garantir que o público vai escutá-lo (associado ao conceito de eficácia), e não com a meta maior, que seria garantir que o público vai se convencer após ter entendido a mensagem que o autor desejava passar (que seria a idéia associada ao conceito de efetividade).

E é por isso que muitas vezes terminamos de ouvir o dicurso com a sensação de que não houve nenhuma novidade, e que a pessoa falou, falou e nada disse.

Já para um discurso efetivo, que leve o público a compreender e se convencer da mensagem, há duas condições essenciais, segundo Dan Pink - que foi redator-chefe dos discursos de Al Gore, famoso por saber se comunicar bem com as mais variadas audiências. São elas:

  1. Identificar claramente qual a mensagem que queremos passar
  2. Saber explicar por que essa mensagem é importante para o público

Parece simples, não? Mas a maioria dos discursos que ouvimos são gerais, sem foco, não têm um argumento central, e muito menos uma indicação clara de sua importância. Se você conseguir reunir as duas condições acima antes de escrever seu discurso, portanto, você já estará à frente da maioria de seus concorrentes e pares.

E é por isso que vamos aproveitar a experiência do redator de Al Gore (e de outros autores do mesmo ramo) para reunir uma série de dicas para discursos efetivos, que você lê a seguir.

Como escrever seu discurso

Não existe uma fórmula única, mas os 4 princípios gerais abaixo permitem planejar e estruturar seu discurso. Não deixe que os princípios o engessem: em comunicação informal, a maior parte das regras deve ser quebrada de vez em quando. Siga apenas de modo geral, adaptando-os à sua realidade.

Vamos às dicas:

  1. Encontre o início, o meio e o final: na hora de escrever e de apresentar, você pode se permitir fazer saltos, mudar a ordem das coisas, e desempenhar seu papel de forma criativa. Mas na hora de planejar o discurso, você precisa ter muito claramente o que será o princípio, o meio e o final do texto, para permitir que estes indicativos o guiem, evitando a inclusão de "cacos" desnecessários e digressões que não contribuam para o andamento.
  2. Acerte a composição dos ingredientes: Um bom discurso técnico sobre resultados financeiros não pode fugir de apresentar muitos e muitos números, taxas, indicadores e outros itens indigestos, certo? Mas um bom autor saberá como combiná-los a exemplos, histórias, ilustrações, projeções, conseqüências e outros elementos que facilitem a absorção da informação pelo público. Mas cuidado com os "cacos" e peças soltas que possam prejudicar a engrenagem: só inclua elementos adicionais que não prejudiquem a narrativa, e dê preferência aos que se integrem perfeitamente a ela.

  3. Corte 20% antes de começar: Li em um livro sobre apresentações ("Presentation Zen", que eu recomendo, assim como o clássico " Como Falar Corretamente e Sem Inibições", de Reinaldo Polito) que os japoneses têm um adágio que diz: "Coma só até estar 80% cheio". Estar satisfeito não significa necessariamente estar repleto, e muito menos ter comido todos os pratos que havia no menu. Não massacre sua audiência: ao planejar seu discurso, após ter mapeado todos os temas que gostaria de abordar, faça um exercício de priorização, e corte 20% dos temas.
  4. Não é a sua experiência que conta: o público pode até estar interessado em ouvir sobre a opinião, os motivos e os interesses do palestrante. Mas o que realmente os atrai são as suas próprias opiniões, motivações e interesses. Escreva pensando na perspectiva do público que irá ouvi-lo - e isso inclui leveza, brevidade e objetividade, mas inclui especialmente a empatia, a capacidade de colocar-se no lugar das pessoas da audiência e entender quais são suas necessidades e desejos naquele momento. O foco não deve ser "Votem em mim", e sim "Vejam o que farei de bom por vocês, o que eu já fiz de bom recentemente, e o que me diferencia dos meus concorrentes."

Como apresentar o discurso

Muito já se escreveu sobre isso (até mesmo aqui no Efetividade.net - veja no final uma lista de links), e não vou repetir tudo. Mas vou compartilhar os 2 conselhos que considero essenciais, e que giram ao redor da conhecida máxima da web: o conteúdo é o rei:

  1. O público é tolerante e aceita os maus apresentadores. O que eles não perdoam é uma mensagem falsa, ou insuficiente. Se a sua mensagem for nova, verdadeira e interessante, a sua cota de cacoetes de apresentação (falar "Hum" e "Ah" o tempo todo, gaguejar, ler transparências, etc.) aumenta bastante (mas não abuse, claro). Mas se você for o rei dos apresentadores, e seu discurso não trouxer novidade, for percebido como falso, ou não despertar interesse, toda a sua técnica pode ser insuficiente. Em síntese: para resultados duradouros, entre o conteúdo e a técnica, prefira investir no conteúdo, sempre.
  2. Seja autêntico: quando tiver o microfone em suas mãos, não tente emular o Sílvio Santos, o Enéas ou a Xuxa: se você tiver talento como apresentador, use-o. Caso contrário, simplesmente prossiga, consciente de suas limitações, e com atenção à dica acima: o público tolera as suas falhas como apresentador, mas não reage bem a um mau discurso.

Quais os erros mais comuns que você pode evitar

Dan Pink lista 3 erros graves:

  1. Não se dar conta de que discursar é um privilégio: Muitas pessoas não se dão conta de que todo mundo na platéia e audiência deixou de dar atenção a outras coisas para ter tempo de ouvi-las. Pelo contrário: elas partem do princípio de que sua posição ou condição lhes dá o direito de estar ali falando, e que de alguma forma o público é obrigado a ouvir e prestar atenção. Não é assim que funciona: você pode obrigar o cavalo a ir até a beira d'água, mas não há como obrigá-lo a beber; o máximo que você pode obrigar uma platéia livre a fazer é estar presente e fingir atenção. Saiba fazer com que a opção dela por ouvi-lo valha a pena.
  2. Esquecer da "regra de Lamott": Anne Lamott narrou em um livro as suas experiências com um editor, que costumava cortar longas passagens dos seus artigos. Um dia ela foi reclamar com ele sobre os cortes, e ele respondeu a ela: "Não é porque algo ocorreu a você que deve ser considerado interessante". Você não precisa contar tudo que lhe vem à cabeça; concentre-se no que precisa ser dito.
  3. Não fazer seu dever de casa: Nem sempre dá para reaproveitar discursos antigos, ou usar um mesmo discurso para vários públicos. É essencial se dar ao trabalho de entender melhor os anseios, necessidades e desejos de cada um dos seus públicos, e dirigir-se a eles diretamente, da maneira que eles melhor entendam e - sempre que possível - recorrendo a exemplos e contextualizações que façam sentido especificamente para eles. Faça seu dever de casa, e prepare um discurso adequado para cada platéia.

As ferramentas essenciais

Para fazer um bom discurso, você precisa de um meio para escrevê-lo e depois memorizá-lo.

Papel e caneta funcionam bem, fichas pautadas (tamanho 3x5, à venda em qualquer papelaria) podem ser ainda melhores, se você escrever um parágrafo ou tema por ficha - aí fica fácil reordená-las, descartá-las, juntá-las, complementá-las (tende a sobrar espaço em cada ficha) e manipulá-las como você quiser.

Se estiver trabalhando com discursos tradicionais (e não apresentações de slides), um editor de textos como o Writeroom (do Mac OS), que ocupa a tela inteira e não deixa espaço para distrações, pode ser uma boa opção também. Existem alternativas sem custo de aquisação, como o PyRoom. Lembre-se de que em um discurso que será apresentado exclusivamente de forma verbal, as marcações típicas de processadores de texto (variação de tamanho de fonte, negrito, itálico, etc.) têm bem menos demanda.

Ao praticar e ensaiar seu discurso, um bom cronômetro com números bem grandes (para você poder ver mesmo a alguma distância, sem esforço mental que o distraia) pode ser uma aquisição a considerar. Na falta dele, até mesmo o seu relógio de pulso, ou a tela do seu computador, podem ser usados para esta finalidade. Mas é essencial saber quanto tempo o seu discurso leva, na prática, e quais as partes dele que tomam mais tempo. Se você perceber que as partes acessórias tomam muito mais tempo que a principal, reescreva!

Um espelho e um bom gravador de voz também podem fazer muito em prol da melhoria do seu discurso! Você pode até mesmo recorrer a um MP4 player com gravador de voz, ou a um daqueles microgravadores com fita cassette, ou até mesmo ao gravador do seu celular ou PDA, mas o ideal deve ser um moderno gravador digital de voz, fácil de controlar e de usar. Veja a si próprio no espelho, ouça e re-ouça a gravação, pratique, e vá melhorando.

O essencial é que a sua platéia não seja a primeira a ouvir o seu discurso. Você mesmo, e seus assessores e apoiadores, já devem tê-lo ouvido várias vezes (melhorando continuamente) quando chega o momento de apresentá-lo pela primeira vez ao público.

Leia também:

  1. Falar bem em público: Como transmitir a idéia certa sobre você em apresentações e reuniões
  2. Falar em público: várias modalidades de ensaios para ajudar a superar o medo
  3. Comunicação efetiva: Saiba como ler discursos e pronunciamentos em público
  4. Quer ser mais ouvido? Experimente falar menos!
  5. Como estar preparado para sua apresentação em sala de aula
  6. Reunião mais produtiva: como preparar, executar e encerrar com efetividade
  7. Apresentações e discursos: mais meia dúzia de dicas

Em especial, leia também o post From Al Gore’s Chief Speechwriter: Simple Tips for a Damn Good Presentation (Plus: Breakdancing), no blog de Tim Ferriss, por intermédio do qual eu vim conhecer as idéias de Dan Pink.

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