Crise, oportunidade, preparação e... METEOROS

Crise é uma situação de tensão, momento indefinido com problemas ou riscos inquietantes, ou uma conjuntura desfavorável ao bem-estar dos envolvidos.

Todos nós passamos por crises: crise econômica, crise política, crise de relacionamento, crise de saúde... elas fazem parte da vida, e muitas vezes chegam até mesmo a ser importantes para o desenvolvimento dos envolvidos, já que - dependendo da situação - aquilo que fazemos para nos adaptar a elas permite até mesmo que o seu fim marque o início de um período de crescimento que supera a posição em que nos encontrávamos quando ela começou.

Por outro lado, às vezes o esforço de adaptação supera a capacidade de alguns dos envolvidos, e eles não conseguem manter-se integralmente até o final dela. E o efeito varia de acordo com o âmbito em que a crise ocorreu: se for econômico, a empresa pode quebrar, ou a família pode ver sua situação sócio-econômica piorar; se for de relacionamento, o casamento pode acabar; se for financeiro, a pessoa pode ter seus bens tomados, e assim por diante.


Não é preciso uma crise planetária para nos atingir

Para a maioria das pessoas, as crises acabam sendo percebidas muito mais no âmbito local do que no global, como aliás é natural. Nessa visão, a crise mundial do crédito é apenas uma notícia, o fechamento da fábrica na cidade vizinha é uma preocupação, mas o filho que ficou sem emprego é um problema real.

Passamos a vida chamando de importantes os grandes projetos e as realizações mais visíveis, e de triviais as pequenas conveniências e os fatos do dia-a-dia - mas quando uma crise atinge aquilo que nos acostumamos a considerar trivial, somos colocados à prova de uma maneira muito mais intensa do que quando ela apenas impede os projetos de longo prazo e o completamento das grandes realizações.

Preâmbulo 1: o adiamento do ENEM

Soube pela imprensa de que o ENEM, exame nacional aplicado a quem termina o ensino médio, e que em muitos casos já serve para classificar os alunos para uma vaga na faculdade, foi adiado em razão da "suspeita" de que a prova vazou. Perceber as diversas facetas da situação me inspirou a gastar 45 minutos do meu tempo de almoço para compartilhar este artigo com vocês.

A prova seria realizada nacionalmente neste final de semana, e em razão do seu caráter classificatório, bastante gente estuda e se prepara para obter um resultado superior - estas pessoas, se não erraram a receita, provavelmente planejaram para estar em seu pico de condições escolares neste final de semana, e agora terão que administrar a situação, sabendo que a prova deve ser remarcada apenas para daqui a mais de um mês, coincidindo com o período de vestibulares de várias instituições bastante concorridas.

Mas não são só elas que passam pela crise: diversas faculdades que usariam o resultado do ENEM em seu processo seletivo terão que se adaptar ao atraso, porque agora as notas do exame podem sair só depois do período de matrículas de muitas delas. As empresas envolvidas na preparação do certame também precisarão ajustar seus calendários, as escolas que cederam instalações para realizações das provas idem, e os cursinhos preparatórios irão se virar para oferecer "intensivões" adicionais.

É um exemplo típico de crise, com algumas pessoas beneficiadas e a maioria enfrentando um problema sob aspectos diferentes. E tem similaridade com o exemplo que meu avô usava, falando das comunidades de pescadores durante os períodos de tempestades e mar agitado: alguns vão pro rancho reforçar as redes e dar manutenção no equipamento, e outros vão pro bar tomar pinga. Neste caso, alguns estudantes vão continuar estudando (e até usando como apoio a prova que vazou), e outros vão aproveitar para colocar em dia seus seriados da TV. As condições da crise são as mesmas para todos, mas cada um tem sua resposta a ela, e viverá a consequência.

Dica extra: aproveite para reler "Concursos e provas: como estudar com efetividade e se dar bem".

Preâmbulo 2: a crise das atualizações do Efetividade

Crises estão aí para serem superadas, e é o caso desta escassez de novos artigos aqui no Efetividade. Passo no momento por uma situação de saúde na família, que me leva a repensar todas as minhas prioridades, e está difícil conseguir manter o mínimo necessário (na minha opinião) de um artigo meu por semana por aqui, ao mesmo tempo em que me dedico a isso.

Esta situação está sob controle, e minha dedicação a ela (que faço com gosto e por opção) me traz uma série de resultados positivos conforme a situação se desenvolve e se aproxima de uma solução, como aliás é comum em crises. Mas a escassez de tempo para dedicar a escrever é uma realidade, e talvez se mantenha um período continuado. Conto com sua compreensão!

Mas, como veremos mais abaixo, a inovação também tem seu lugar como instrumento para resistir a crises, e já tenho uma ou duas idéias que pretendo testar para aumentar minha produtividade e gerar material inédito para cá nos momentos que tenho disponíveis para isso, uma ou duas vezes por semana.

Chega de preâmbulos, e vamos ao estudo do tema de hoje!

Crise e oportunidade - a lenda do ideograma chinês

Diz um velho e surrado clichê que o ideograma chinês para a palavra crise é a soma dos ideogramas de perigo e de oportunidade. A conclusão faz sentido, mas eu duvido: acredito em quem diz que esta interpretação tão conveniente se trata de um erro de tradução.


Crise (de lado pra caber melhor na página)

Mas mesmo que essa questão alegórica chinesa seja apenas uma lenda, a idéia de elas representarem oportunidades faz sentido. Nem todas as organizações (e pessoas) submetidas a uma condição de crise reagem da mesma maneira, e a reação faz toda a diferença não apenas para a chance de sobreviver bem até o final da crise, mas também sobre como será a condição de continuar se desenvolvendo ou competindo ao final da crise.

Para ficar num exemplo corporativo que eu conheço, simplificado em prol do entendimento: na cidade em que eu morava no começo dos anos 1990, havia 3 indústrias metal-mecânicas de porte similar. Veio uma crise daquelas bem típicas daquele período de economia mais instável que a de hoje, e uma delas logo recorreu a demissão em massa, outra concedeu férias coletivas, e a terceira (melhor preparada para enfrentar a crise) reduziu o expediente e parou a produção, mas aproveitou para realizar treinamentos sobre produção, qualidade e outros temas, no horário do expediente, com seus funcionários. Aposta arriscada? Sem dúvida, mas um dia a crise acabou, e a primeira empresa fechou, a segunda encolheu (hoje ela faz mangueiras de jardim), e a terceira rapidamente cresceu, e ainda atraiu os funcionários e clientes que as duas primeiras perderam.

Para uma delas, que estava preparada, a crise foi uma oportunidade. Para as outras, foi uma lápide ou um obstáculo intransponível.

Crise e preparação - "Deixa a vida me levar"

Nem sempre estamos preparados especificamente para a crise que nos acomete, até porque nem sempre dá para antecipar a natureza de uma crise. No exemplo acima, até se podia saber que algo estranho aconteceria com a economia (afinal, era ainda o tempo dos "pacotes"), mas quem adivinharia que o governo congelaria a poupança e escancararia as importações?

Sabemos que hoje as epidemias surgem e se espalham com mais rapidez, mas quem anteciparia a natureza do vírus e a data em que surgiu a nova Gripe A, e por onde ela se espalhou primeiro? O hemisfério norte teve a sorte de que por lá ela chegou durante a estação quente, e para nós foi o contrário, mas antes que acontecesse, ninguém sabia - e para manter a mesma metáfora, usualmente produzir a vacina contra uma crise específica demora, e só gera resultado depois que a crise teve efeito de causar bastante estrago.

Mas algumas pessoas e organizações estão melhor preparadas para os cenários de crise que conseguem antecipar, enquanto outras se contentam em adotar a "metodologia Pagodinho" e deixam a vida as levar. No advento da crise, é provável que a maioria dos integrantes de cada um dos grupos encontre resultados em sintonia com as suas atitudes de preparação.


Não encarar a crise não faz com que ela vá embora

Para variar o exemplo: quando chegam as crises do mercado financeiro, muitas vezes quem diversifica seus investimentos com foco na estabilidade e segurança sente um baque menor que o do vizinho, mas isso tem custo: nas épocas de tranquilidade, seus picos de rendimento tendem a não ser tão altos quanto a de quem arrisca mais. Por outro lado, quem arrisca e concentra investimentos obtém picos de rendimento maior, mas aí o baque da crise pode ser sentido de forma muito mais aguda.

Também é o caso da trapalhada no ENEM: estudantes que têm uma rotina de estudo ao longo de todo o ensino médio possivelmente terão seu resultado menos afetado pelo atraso de 45 dias da prova, do que aqueles que deixaram para estudar em cima da hora contando com um pico de memorização mapeado especificamente para o próximo final de semana.


O furacão está chegando...

Aqui no Brasil isso não é tão comum (previsão antecipada de calamidades naturais iminentes é raridade), mas o exemplo internacional é bem vívido, por isso recorro à imagem vista em tantos filmes de catástrofe: na hora de evacuar a cidade para fugir da onda gigante, dos aliens, do vulcão, do meteoro ou da crise da vez, quem já estava com o tanque do carro cheio leva grande vantagem, e quem não estava tem que encarar o pânico adicional na fila extra do posto de gasolina, antes de rumar para uma área segura.

Resumindo a conclusão deste sub-tópico antes que eu me alongue demais nele: nem sempre dá de prever uma crise específica, mas elas chegam mesmo assim, muitas vezes com pouco aviso. Estar preparado para elas é uma questão de estratégia, atitudes e hábitos - como o de manter o tanque do carro cheio, no exemplo acima, ou de estruturar sua carteira de investimentos sem colocar todos os ovos em poucas cestas. Na hora da crise, sempre é bom dispor de reservas, alternativas e pontos de apoio para recorrer.

Dica extra: Aproveite para ler "Segurando seu emprego, ao mesmo tempo em que se prepara para o caso de ser demitido".

Crise, adaptação, inovação, prioridades e o efeito dominó

A natureza das crises varia, mas em geral elas se caracterizam também pelo aumento do grau de dificuldade para realizar as atividades desejadas, pela escassez dos insumos e recursos necessários para realizá-las, e pela necessidade de abrir mão de itens a que damos valor.

Para exemplificar: é mais difícil organizar a festa de aniversário dos filhos quando o casamento está em crise, é difícil completar a construção do prédio quando a economia está em crise, é difícil manter a casa de praia, ou o segundo carro, quando as finanças da família estão em crise.

  • A crise muda nossas prioridades: Diante da notícia de que houve complicação séria na gravidez da esposa, espera-se que o ótimo profissional mantenha intacta sua agenda de compromissos e viagens? Assim como não sabemos quando uma crise vai começar, em geral é difícil saber antecipadamente quando ela vai acabar. É por isso que a noção de prioridade precisa ser bastante exercitada em períodos de crise, para que nos concentremos no que nos dá resultado, ou em manter aquilo de que não podemos abrir mão: assim como a empresa precisa reduzir custo e selecionar muito bem quais investimentos não serão suspensos, a família precisa reduzir os gastos supérfluos, e assim por diante.


    Fila do pão nos EUA durante a grande depressão da década de 1930

     

  • A crise exige adaptação: As margens de segurança que os precavidos costumam manter em tudo que fazem ou negociam acabam precisando ser diminuídas, o que era realizado de forma supérflua fica suspenso, e as reservas existentes começam a ser empregadas. Algumas pessoas e negócios florescem nas crises, mas a maioria delas precisa mesmo se adaptar à escassez e dificuldade abrindo mão (ainda que temporariamente) da continuidade de tudo que não for essencial.
  • A crise pode ser um catalisador da inovação: É a hora de pesquisar formas de ganhar produtividade e eficiência, ou de oferecer às pessoas a solução para seus novos problemas - nem tudo pode se resolver com cortes e reduções. Lanchonetes começam a oferecer refeições mais completas (e baratas) para as pessoas que não podem mais almoçar no restaurante de antes, surgem opções de financiamento de bens em prazos antes impensáveis, idéias ousadas de redução de custos (incluindo as que anteriormente já foram descartadas) são experimentadas, adota-se alternativas incomuns (como o Brasil fez no Proálcool, após as crises do petróleo), surgem novas idéias para geração de valor, etc.


    Crises encadeadas: o encolhimento do mar de Aral produziu várias categorias de crises, todas interligadas.

     

  • As crises se encadeiam: Como dominós enfileirados, as crises se sucedem em sequência. A crise econômica na empresa pode gerar a crise financeira nas famílias dos empregados, a crise no transporte pode gerar uma crise de abastecimento, uma crise ambiental severa como a da foto acima (de pesqueiros onde ficava o Mar de Aral) pode provocar crises econômicas, humanitárias ou até mesmo crises internacionais e bélicas, e assim por diante. O relacionamento entre as crises pode ser caótico, mas acompanhar as crises que afetam ambientes, organizações e sistemas com os quais você tenha relação é uma forma de antecipar a possibilidade de que uma crise derivada o afete.

Tudo isso, somado e bem executado, serve para resistir à crise enquanto ela durar, e é muito mais efetivo quando realizado mantendo sempre um olho na subsistência e o outro nas condições que teremos para continuar nosso desenvolvimento quando a crise chegar ao seu fim.

Dica extra: aproveite para ler "Crie o seu Fundo de Reserva pessoal, e encare a vida com mais opções".

Concluindo: crise faz parte da vida

Crises são fatos da vida, e embora muitas vezes não possamos prever seus detalhes, é arriscado viver como se elas nunca acontecessem - assim como é indesejável viver como se elas sempre estivessem já batendo à nossa porta. É necessário estar atento a elas, atuando na prevenção e preparação, e não apenas na reação e recuperação.

Assim, além de ter a disposição de continuar resistindo até o fim, estar preparado para as crises é uma questão de estratégia organizacional (ou de valores, hábitos e atitudes pessoais). Quando ela chega, é preciso adaptar-se, concentrando-se no que é realmente vital, e eventualmente inovando - seja pelo lado da produtividade e eficiência, seja pelo lado do oferecimento de novas soluções adequadas à nova realidade da população em crise.

Todo mundo pode se adaptar, inovar e dar atenção às prioridades, mas quem se prepara nos períodos que antecedem a crise pode fazer isso em melhores condições. Para algumas crises não há preparação específica possível, mas dispor de reservas, alternativas, conhecimento e apoio é algo que pode fazer diferença positiva na maioria das situações.

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