Churrasco: como inclui os amigos vegetarianos na festa

Em tempos de crescente ativismo pró-meio-ambiente, às vezes me surpreendo em não encontrar uma campanha mais visível contra esta instituição cultural secular: o churrasco. Pessoalmente, procuro reduzir o impacto que meus hábitos causam sobre o ambiente, e no caso do churrasco isso se traduz em atenção especial à certificação de origem da carne e do carvão empregados, por exemplo.

Mas os novos níveis de posicionamento ecológico geram mais um efeito sobre o churrasco nosso de cada dia: a probabilidade crescente de que algum dos convidados (ou agregados dos convidados) seja vegetariano, ou restrinja seu consumo de carne. Isso sempre ocorreu, e continuará a ocorrer, mas o aumento dos números destas facções faz com que aumente o interesse potencial em planejar inseri-los na festa (desde que o prato principal não lhes cause questões de ordem moral, ou de consciência).

Afinal, se a vegetariana ou o vegetariano em questão foram convidados para participar do evento, parto aqui do princípio de que eles são importantes para você (ou para alguém que é importante para você), e que a satisfação deles também é de seu interesse como anfitrião, mesmo considerando que o churrasco é um evento que tradicionalmente orbita ao redor do consumo de carne.

Churrasqueiros extremistas, finjam indignação

Aliás, o churrasco orbita em uma série de dogmas, mas são dogmas interessantes, porque variados: há quem diga que churrasco de verdade tem que ser com a carne em peça, mas há quem fatie. Uns dizem que precisa ser no espeto, mas outros preferem a grelha, e outros ainda fazem maravilhas usando uma chapa, ou mesmo aceitam envolver as peças em papel laminado.

E o tempero? A tradição sulista comanda pelo uso exclusivamente do sal grosso, mas o sal refinado acaba caindo bem em peças fatiadas, e mesmo no sul basta ir a alguma festa de igreja em colônias alemãs para comer um delicioso churrasco temperado com vinha d’alhos. Até a brasa do carvão, antes soberana, agora ganha concorrência de pedras aquecidas e até das churrasqueiras a gás nas varandas de quem não pode acender um braseiro de verdade no apartamento (mesmo que, se pudesse, acenderia um fogo de chão no meio do hall de entrada).

No caso dos churrasqueiros da escola tradicionalista (e que acreditam conhecer a única resposta válida para todas as questões acima), que não aceitam oferecer nenhuma alternativa à carne vermelha, sugiro que façam o de sempre: digam como acham que deve ser um churrasco de verdade, critiquem agora este artigo, veementemente como de costume, dizendo que é churrasco de gente fresca, tchê, e mais tarde, depois de descalçar a alpercata, retornem quando ninguém estiver olhando, para saber qual é a alternativa que vou propor ;-)

Categorias variadas

Tudo seria mais fácil de planejar se as pessoas que não consomem carne formassem um conjunto homogêneo, com regras gerais. Mas não é assim que funciona: há aqueles que não comem carne por razões de dieta (ou preocupação/restrição de ordem fisiológica), há os que não comem carne por variadas razões de consciência ou posicionamento moral, há aqueles que rejeitam apenas as carnes vermelhas mas se deleitarão com uma sobrecoxa ou mesmo uma linguiça de frango, há aqueles que aceitam um peixinho na brasa, e no extremo da balança há os que rejeitam consumir ou usar qualquer produto de origem animal.

As táticas para atender a cada um deles variam, desde que você investigue de antemão a preferência de cada um. A operacionalização, como em qualquer empreendimento, vai depender também dos recursos disponíveis: talvez você possa oferecer as opções variadas para cada um dos gostos (peixe, frango e vegetais), ou talvez seja necessário recorrer ao mínimo múltiplo comum: uma alternativa única que atenda a todos que não comem o prato principal.

Vai comendo esse pãozinho, essa saladinha verde...

Quando uma pessoa desses grupos chega a um churrasco sem avisar, corre o risco de ter que se sustentar com base no pão (com vento a favor, será pão com pasta de alho no espeto) e na saladinha com 2 tipos de alface, uma cenourinha ralada e um pepino em conserva que o anfitrião colocou no centro da mesa só pra decorar.

Se as condições estiverem especialmente favoráveis, vai haver também uma maionese de batata que vai estar de acordo com suas restrições (sem ovo cozido, por exemplo), e uma farofa feita sem cubinhos de nenhum tipo de carne.

Se for o seu dia de sorte, o churrasqueiro vai ter preparado espetinhos mistos (ou o que por aqui chamamos de "xixo"), com cubos de carne entremeados por pedaços generosos de cebola, tomate e pimentão - e aí de repente até dá para negociar uma solução intermediária.

Mas, de modo geral, o vegetariano corre sério risco de se sentir sobrando no aspecto gastronômico do evento: nenhum dos pratos principais o atenderá.

Buscando alternativas sem abrir mão do essencial

Churrasquear é, inegavelmente, uma atividade repleta de tradições, e o maestro do evento (aquele que esquenta a barriga na frente da churrasqueira e resfria no isopor de cerveja) geralmente vai resistir ao que seria a alternativa sonhada pelos vegetarianos: fazer como as churrascarias que, movidas pelo óbvio interesse de aumentar seu público-alvo, oferecem junto ao churrasco uma série de outros pratos principais: uma lasanha, um sushi...

Também sou partidário da idéia de que os pratos principais de um churrasco saem da churrasqueira, e o forno e o fogão servem apenas para acessórios e complementos, e neste sentido nunca me recusei a preparar um espeto a mais de aves ou peixes para atender a estas demandas especializadas. Mas quando havia interesse em atender a quem não come nenhum tipo de carne, eu ficava sem soluções que saíssem diretamente da churrasqueira.

E ao longo de muito tempo chegavam sugestões de experimentar como alternativa adicional as beringelas e as abobrinhas. Mas a idéia pouco me atraía, pois o modo como eu as via sendo preparadas em pouco lembrava a essência de um componente de churrasco: o vegetal era aberto e escavado, recheado, preparado em etapas, gratinado, e assim por diante - nada que seja cômodo de fazer enquanto se gerencia vários outros espetos e um copo gelado que insiste em ficar vazio periodicamente.

Até cheguei a experimentar a beringela como componente dos espetinhos do xixo, mas não agradou em nada: nem sabor, nem consistência, nem aparência.

Entra em cena a obra do acaso: filetando os legumes

Mas morar no Sul do Brasil é estar exposto permanentemente à força cultural do churrasco. Algum dia, nas primeiras horas insones de uma manhã de domingo, assisti sem querer a um gaúcho daqueles lá da fronteira com o Uruguai, de bombacha e lenço (só faltou a espora) apresentando em um programa de tradições gaúchas na TV local algo sobre como fazer quando há necessidade de recorrer a alguma dieta por ordens médicas mas o vivente quer continuar fazendo e curtindo seus churrascos com a família e com os amigos. Ele não chegou ao extremo de propor um churrasco sem carne, mas deu como alternativa a dica que me faltava sobre as abobrinhas e beringelas.


Uma beringela e meia

E a dica do gauchão velho era realmente simples: ao invés de salamaleques envolvendo abrir, escavar, rechear, gratinar, etc., ele deu uma de Colombo: colocou o legume em pé e o fatiou (no sentido do comprimento), formando pedaços cujas dimensões lembravam as de um filé de peito de frango.

E não é só nas dimensões que estes "bifes de legume" se aproximavam de um filé de frango: a forma de tratar é parecida. Se forem simplesmente colocados a seco sobre a brasa, vai ficar ressecado, esbranquiçado e com gosto de isopor fervido. Por isso você precisa espalhar os filés em uma tábua de corte, regar generosamente com azeite de oliva (para servir de veículo) dos dois lados, aí furar um dos lados com um garfo (sem exageros - 2 espetadas são suficientes) e colocar os temperos que mais lhe agradarem, em uma dose maior do que se você estivesse temperando uma carne para assar no forno, porque a carne absorve bem mais. O guasca velho fazia com pasta de alho, mas eu uso combinações variadas de sal, molho inglês, shoyo, molho de pimenta, pimenta preta moída, ou o que mais estiver sobrando em cima da bancada - ou de acordo com as convicções dos convidados. Uma alternativa é chamar algum deles para a tarefa de temperar, ou ao menos para escolher os temperos.

O detalhe que faz toda a diferença é o tempo: estes legumes não são campeões de velocidade em absorver o tempero, então é bom deixá-los repousar por algum tempo - eu uso o consumo de 2 ou 3 latinhas de cerveja como métrica. Depois é só ir colocando na grelha ou chapa, aos poucos, virando apenas uma vez. A beringela fica pronta rápido, e a abobrinha demora um pouco mais, mas não posso oferecer indicadores: vai depender da sua grelha, da temperatura do fogo, da altura da churrasqueira, entre outros fatores.

Cada um na sua

Claro que você sempre continuará a ter a alternativa de não convidar vegetarianos para o seu churrasco, ou de fazê-los se resignar a comer o pãozinho e a salada verde.


Abobrinhas italianas

Mas se você quiser experimentar fazer algo diferente, recomendo tentar alguma variação das instruções acima. Além de ser simpático e inclusivo, o resultado fica saboroso, e agora raramente passa um churrasco em que eu deixo de preparar este complemento (em pequena quantidade, afinal a estrela da festa é a carne), que geralmente faz sucesso até quando não há vegetarianos, e mesmo entre os fundamentalistas e céticos - mesmo que eles demorem a dar o braço a torcer.

E se você tiver esta intenção de agradar aos convidados que não comem carne, procure se lembrar de mais uma dica: não seja o anfitrião chato que fica o tempo todo tentando "convertê-lo" em carnívoro e criticando a sua opção. Afinal, o incômodo que o convidado sente quando tentam lhe convencer a deixar de lado sua preferência pelo vegetarianismo (ou movimentos similares) deve ser comparável ao que sentimos quando alguém vem nos patrulhar pelas nossos próprios hábitos alimentares e práticas ecológicas. E churrasco não deveria servir de pretexto para chatice!

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