Quero produtos "bons o bastante" - chega de me oferecer recursos que não me interessam!

Você já ouviu falar na revolução do "Good Enough"? Eu quero produtos que sejam suficientemente bons, chega de complicação e excesso de recursos.


Este luxuoso cortador de grama me inspirou a escrever este artigo

Há anos o "mercado" vem nos condicionando a associar a idéia de qualidade à impressão de que o produto tem uma quantidade maior de recursos, ou adere aos mais avançados padrões tecnológicos. Isto se aproxima de conceitos válidos de qualidade e de grau (saiba mais: "O que é qualidade"), mas está longe de ser o meu conceito preferido: eu prefiro identificar qualidade pelo conceito clássico de Juran, que a define como "adequação ao uso".


Um "MP12 dual chip" quadriband 11MP com TV, FM, bluetooth, compositor de melodias e muito mais! ;-)

Esta associação de qualidade ao número de recursos conduz até mesmo a contradições ambulantes, como é o caso dos aparelhos tipo "MP9" e alguns celulares clones: o aparelho vem com funções de player de áudio e de vídeo, gravação e edição de áudio e vídeo, jogos nativos e emulados, tira fotos, acessa a Internet, faz ligações como celular (com 2 chips!), conecta ao computador, à TV, à impressora, a periféricos variados, tem viva-voz, suporta jogos nativos e emulados, tem uma infinidade de conectores e cabos. O usuário tem trabalho para aprender a operar, passa por dificuldades nas conexões, no uso dos menus, nos manuais e até mesmo para alternar entre as diversas funcionalidades.

No final das contas, o produto é difícil, complexo, faz bem mais do que o usuário queria, às vezes nem faz muito bem o que o usuário queria, e mesmo assim vende bem, porque comunica bem a idéia de ser alta tecnologia a um preço acessível, mesmo sendo um exemplo da inflamação conhecida em inglês como featuritis: o inchaço causado pela adição de excesso de novos recursos e "vantagens".

Só que a mesma conclusão vale para diversos aparelhos que não passam pelo estereótipo do design clonado na China: grandes marcas também lançam aparelhos de DVD, celulares, notebooks, tênis, câmeras, carros e outros aparelhos que excedem em muito os recursos que seus clientes realmente desejam usar. Mas os clientes compram assim mesmo, inclusive porque associam esta "capacidade adicional" a qualidade superior, a distinção, a exclusividade (porque outras marcas não oferecem os mesmos recursos), sem perceber que a complexidade para instalar, configurar e operar o produto se deve muitas vezes apenas a estes recursos que não serão utilizados.

Entra em cena o "good enough"

Fiquei sabendo da idéia da "Revolução do good enough" ('suficientemente bom') lendo o longo artigo The Good Enough Revolution: When Cheap and Simple Is Just Fine ('A revolução do bom o suficiente: quando o barato e simples já está bom'), de Robert Capps, na Wired.


Este liquidificador a gasolina simboliza para mim o oposto da idéia de "good enough"

A idéia é complexa e foi apresentada através de exemplos, então acho difícil sintetizar aqui (leia o artigo da Wired, vale a pena!). Mesmo assim, vou apresentar a conclusão: cada vez mais consumidores optam por produtos e serviços que tenham estas 3 características:

  1. custam bem menos que os concorrentes
  2. são bem mais fáceis de usar
  3. estão disponíveis a qualquer momento e lugar

Em outras palavras: para os experts, profissionais e aficcionados, continuam a existir as opções premium em cada campo. Mas o restante do mercado vem optando cada vez mais pelos produtos que são apenas... suficientemente bons.

O princípio de Pareto, que já abordamos anteriormente (ao falar sobre arrumação de roupeiros, acredite!), usualmente leva a concluir que se escolhermos bem os recursos de um produto, podemos chegar a um grupo de 20% deles que será responsável por atingir 80% das necessidades de seus usuários.

Qual a fração dos aplicativos do seu celular que você já usou, descontando os primeiros dias com ele, quando você estava ainda experimentando tudo? E dos recursos do seu sistema operacional? E das opções do menu de preferências do seu navegador, ou do seu editor de textos?

Vamos aos exemplos

A tese do Good Enough pode ficar mais clara se exemplificarmos um pouco, e vou tomar emprestados alguns dos exemplos do autor.

Note que além de ter as 3 características acima, todos eles têm algumas desvantagens também, bem como a ausência de uma série de recursos presentes em seus concorrentes. Mesmo assim, sua adoção só cresce:

  • Formato MP3: a compressão causa perdas na fidelidade do som, mas é o preferido de toda uma geração - cabe nos nossos aparelhos de bolso, pode ser facilmente transmitido e obtido pela Internet, é fácil de manipular e usar, custa menos.
     

  • Netbooks: eles têm menos memória, menos armazenamento, tela menor, teclado apertado. Mas são fáceis de transportar e usar em qualquer lugar, resistentes, mais baratos... bons o suficiente. E vendem muito bem. Quem sabe não teremos em breve uma junção dos netbooks com os notebooks low-end, e aí estes aparelhos serão o único computador de muita gente que hoje tem o netbook como segunda opção?
     

  • Anúncios textuais: sem celebridades, sem jingles, sem mascotes. Mas vendem bem, são baratos, alcançam o consumidor em quase todos os lugares, etc. Bons o suficiente, e responsáveis por 45% dos anúncios na Internet nos EUA.
     

  • Google SketchUp: O SketchUp é uma ferramenta de modelagem 3D gratuita, com uma versão mais completa que custa $500. Faz muuuuuito menos que o seu concorrente supremo AutoCAD ($4000), e mesmo assim foi abraçado entusiasticamente por profissionais (arquitetos, engenheiros, artistas...) e amadores nos EUA, que fazem o layout de seus móveis, cômodos e outros projetos simples, repassando-os a um programa mais complexo apenas quando necessário - e nem sempre é. Meu home office foi inteiramente projetado no SketchUp (mas não é aquele da ilustração acima), mas depois a arquiteta se sentiu obrigada a refazer num sistema de CAD que ela adota - nos EUA consta que isso já começa a ser menos frequente, possivelmente porque o número de projetos simples é grande.
     

  • Google Docs e similares: cada vez mais gente usa. Os documentos estão disponíveis em qualquer lugar com conectividade à Internet, o uso do aplicativo é barato ou grátis, e costuma ser bem mais simples do que seus equivalentes desktop.
     

  • Nintendo Wii: Tem bem menos opções, botões, poder de processamento e definição de vídeo que seus concorrentes da mesma geração, custa mais barato, tem jogos tecnologicamente mais restritos, e mesmo assim atrai cada vez mais gente.
     

  • "Avião" Predator: Barato e não-tripulado, o veículo aéreo não-tripulado Predator voa até 20 horas consecutivas sobre áreas de combate, pode levar 2 mísseis, e faz tudo mais lentamente, e em menor proporção, que seus primos tripulados. Mesmo assim é cada vez mais usado, porque é mais barato, mais fácil e está sempre disponível.
     

  • Vídeos no Youtube: Muitos deles gravados com configurações como as da câmera abaixo. Bem abaixo da capacidade dos nossos monitores, mas acessíveis, fáceis de assistir, baratos para o usuário.
     

  • Flip Ultra: foi a câmera de vídeo digital mais vendida nos EUA nos últimos 2 anos, mesmo gravando apenas em formato VGA (640x480) quando suas concorrentes da Sony, Panasonic e Canon já gravavam em alta definição 1080p. Sua tela é pequena, os controles são poucos, não há ajustes de cores... e os consumidores adoram. É bem mais fácil de usar, e custa $150 (um modelo médio da Sony custa $800).
     

  • Telefonemas com Skype e similares: A qualidade varia, mas bastante gente usa e tem. O serviço custa pouco ou nada, a operação é fácil de aprender, e muitos dos seus contatos já têm e sabem usar.

A lista poderia continuar indefinidamente, e certamente em cada uma das categorias mencionadas há produtos "premium" que continuam sendo preferidos por muitos. A ênfase aqui é que estão também sendo oferecidos produtos só com os recursos básicos, e um nível de qualidade aceitável. Bons o suficiente!


Novo PS3 Slim, agora mais econômico e com MENOS recursos!

E mesmo os produtos "high end" e "premium" já começam a sentir a influência desta revolução, bastante adequada a um período econômico de recessão. A versão mais nova do iPhone não acrescentou muitos recursos à versão anterior, como era o costume. O recém-anunciado Playstation 3 Slim vai além, e remove recursos que a versão anterior tinha; o novo PSP também trilha o mesmo caminho. E não estamos falando aqui de empresas de design de fundo de quintal: tanto a Apple quanto a Sony são reconhecidas pela forma como atuam nesta área.

E eu com isso?

Faz algum tempo que venho trazendo à minha vida os produtos tecnológicos mais simples. Escolho as soluções mais com base no nível de conforto proporcionado e no problema que elas deverão resolver, do que na soma dos recursos e características que elas têm listados no manual e eu não usarei.

Nem sempre o componente "menos caro" da definição se aplica igualmente. Comprei um Mac Mini, com seu exterior relativamente espartano (quando comparado a outros Macs e similares, especialmente no campo de media centers) buscando as qualidades do "Good Enough", mas estou longe de considerá-lo propriamente barato, por exemplo.


Meu 'media center' - Mac Mini e seu controle sem fio

O problema é que em muitos casos ainda não encontrei alternativas, aqui no nosso mercado, que ofereçam apenas os recursos que eu valorizo. Mas isso não é motivo para que eu pare de procurar, ou que deixe de recomendar que vocês façam o mesmo. Nas que eu já encontro (como o Google Docs, os netbooks, o SketchUp e o Mac Mini), fico feliz - e nas que ainda não encontrei, continuarei procurando!

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