Fuja da complicação desnecessária

Um erro lamentável e comum na condução de projetos e empreendimentos em geral ocorre quando o líder rejeita soluções simples e completas com um questionamento triste: "ah, mas assim qualquer um faz", que às vezes também surge de maneira alternativa e ainda mais lamentável "ah, mas assim fica fácil demais".

Subitamente a equipe se vê tendo de não apenas ganhar a corrida, mas também dar um salto mortal na linha de chegada, após ter largado de ré e usando chinelos de dedo - porque o líder acha que se limitar a correr mais rápido "qualquer um faz".

Quando este líder estiver lhe ouvindo, lembre-se que as atuais disciplinas de Gerenciamento de Projetos podem ser suficientes para apoiar você na tarefa de convencê-lo do contrário: essencialmente, um plano viável que vá gerar o que foi combinado atendendo os requisitos de custo, prazo, qualidade e escopo é um bom plano, e quanto mais simples e eficiente ele for, melhor: significa menos risco, menos gargalos e conflitos, menos chance de errar nas comunicações, etc.

Mas se você precisar de um argumento a mais, pode recorrer a um clássico da Estratégia (e da Administração, por que não?), A Arte da Guerra, escrito no século 4 a.C. pelo general chinês Sun Tzu e que você deveria ler (e reler regularmente, se atuar na tomada de decisões com impacto estratégico). Segundo ele:

O que os antigos chamavam de um general inteligente era aquele que não somente vencia, mas que primava por vencer com facilidade.

Parece óbvio, não? Mas há um obstáculo que muitas vezes fica no caminho de uma vitória sem desperdício de esforços.

O ego do líder não pode ser obstáculo

Quando os fatores de eficiência, competitividade e diferenciação estratégica ficam em segundo plano e os critérios para definição das ações passam a depender primariamente do desejo do gestor por brilhar, ou por superar seus pares, muitas vezes o processo corporativo deixa de ser objetivo e passa a ser um tipo de gincana no qual a equipe compete por prêmios para o líder.

Quando isso acontece, os planos simples e eficientes podem começar a ser vistos como insuficientes ("isso aí qualquer um faz"), porque o líder deixa de perceber a questão crucial que Sun Tzu já havia percebido, e que se reflete nos critérios de planejamento tático e operacional desde então: as vitórias pela inteligência parecem mais fáceis, do ponto de vista de quem observa.

Mas elas parecem fáceis porque em geral são a consequência de bem mais planejamento e preparação realizados antes da batalha (ou de o cliente chegar a fazer seu pedido) - esforços que o observador casual não percebe, ou não associa à vitória que observou. E isso não serve quando o objetivo número 1 do gestor é brilhar.

Cuidado com o gold plating!

Gold plating é o ato de colocar em um produto ou serviço características adicionais que o cliente não pediu e não são necessárias para atender o que foi combinado.

Uma tradução literal seria "banhar a ouro". É uma iniciativa do prestador de serviço ou criador do produto que busca uma maneira "fácil" (do jeito errado) de tentar agradar seu cliente ou se diferenciar da concorrência.

O jeito certo, naturalmente, seria colocar essas características adicionais na especificação oficial, se possível como opcional, para que o cliente possa escolher se tem interesse ou não - fazendo sua própria análise dos impactos possíveis sobre riscos, prazos, custos, qualidade, etc.

E o gold plating é o refúgio mais frequente dos gestores que deixam seu ego ficar no caminho das decisões: incontáveis horas extras, atritos de equipe, retrabalhos e riscos nascem justamente de um gestor que quer "deixar sua marca" em um aspecto secundário e não solicitado (nem planejado...) do que lhe cabia gerenciar.

Ou seja: se o cliente não queria nada mais complexo, ele não chegou a você esperando que você complique ou coloque em risco o combinado em troca de algo a mais que ele não pediu.

O certo... é fazer do jeito certo

Já tive minha cota de madrugadas e finais de semana de stress trabalhando de forma imprevista porque algum gestor mudou as especificações (porque "assim está fácil demais") para acrescentar seu toque pessoal ao que o cliente queria e assim não apenas prejudicou o projeto, como ainda colocou em risco desnecessário todas as entregas.

Hoje tenho condições de argumentar que quando se conhece o objetivo da organização, uma “vitória fácil” que a deixe mais perto de sua missão, ou que libere mais cedo os recursos para continuar a realizar sua visão, é algo desejável e reflete positivamente sobre a imagem do gestor que consegue isso - bem mais do que se ele incluir uma camada extra de açúcar ao redor de seus produtos.

Um pouco mais difícil seria ter condições de dizer claramente a um líder organizacional que abrir mão de um plano vitorioso pela preocupação de que vai parecer, ao observador externo, uma vitória fácil demais pode ser sintoma de insegurança, ou de fogueira das vaidades, colocando seu próprio ego acima dos objetivos da organização.

Mas eventualmente fazer essa mensagem ser percebida ou intuída por ele pode ser o único jeito de evitar que ele continue a gastar uma série de recursos que seriam desnecessários, para atender a alvos secundários (mas vistosos), que acabam ficando (sob o ponto de vista do gestor) mais importantes do que o objetivo original.

Ser a pessoa a quem cabe passar essas mensagens a um gestor acaba colocando você em um papel de liderança também, com todos os os riscos associados. Mas se você perceber que este papel cabe a você, aqui está mais um trecho de A Arte da Guerra que você pode encaixar na sua reflexão:

Se não for do interesse da Instituição, não aja. Se não tiver condições de vencer, não recorra ao conflito armado. Se não estiver em perigo, não desencadeie as hostilidades.

Afinal, continuar optando intencionalmente pelos caminhos difíceis é uma maneira segura de desperdiçar recursos e esforço, e acaba levando a derrota, ou no mínimo a uma sequência de vitórias de Pirro que terão o efeito oposto ao pretendido pelo seu gestor - e toda a equipe pagará o preço!

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