O bicicletário e o reator: nas reuniões, cuidado com a Lei de Parkinson da Banalidade

É da natureza humana: assuntos mais próximos da realidade pessoal recebem mais atenção. Isso ajuda a desviar o foco de qualquer grupo, e pode ser uma das razões de problemas nas suas reuniões.

C. Northcote Parkinson sabia das coisas.

É provável que você já tenha ouvido falar da célebre Lei de Parkinson, que explica a razão de as despesas crescerem até ocupar toda a receita disponível, de os projetos se estenderem até usar todo o tempo alocável (se você só tem 45 minutos, fará seu relatório inteiro neles, mas se tiver 2 dias, demorará 2 dias) e de as organizações (empresas, departamentos, etc.) se expandirem até consumir todos os recursos disponíveis.

Além desta que ficou conhecida como "a" Lei de Parkinson, na obra magna de C. Northcote Parkinson, publicada originalmente em 1958, também encontramos a definição de Leis sobre várias outras disfunções organizacionais, incluindo a Lei de Parkinson da Banalidade (ou Lei da Trivialidade, em uma tradução mais direta do original).

A Lei da Banalidade foi definida por Parkinson assim: “o tempo dedicado à discussão de cada ponto de uma pauta de reunião é inversamente proporcional ao valor dele”.

Para explicar a Lei da Banalidade, Parkinson recorreu a exemplos baseados no valor financeiro de cada ponto de pauta da reunião, mas a Lei também se aplica a outras escalas de valor.

O exemplo escolhido por Parkinson é bastante expressivo – uma reunião de diretoria com 3 pontos de pauta, a saber:

  1. Um contrato de US$ 10 milhões para construir um reator nuclear
  2. Uma proposta de US$ 2.350 para construir um bicicletário para os funcionários
  3. Uma proposta de US$ 57 anuais para passar a oferecer café nas reuniões do comitê de bem estar dos funcionários

Ao longo do capítulo 3 de seu livro, Parkinson descreve como transcorreu essa reunião: 2 minutos e meio dedicados ao reator (cuja proposta envolvia demolições, construções especiais, plantas técnicas e conceitos científicos), 45 minutos dedicados ao bicicletário, e 1h15min dedicados à proposta de passar a oferecer café ao comitê de bem estar.

As razões são simples e explicam a própria Lei da Banalidade:

  1. O reator é tão complexo, e a quantia de 10 milhões de dólares está tão acima da realidade pessoal de cada diretor que, embora a deliberação lhes caiba, todos assumem que quem trouxe a proposta se certificou de que os técnicos envolvidos sabem do que estão falando – e assim evitam o risco de expor a sua ignorância caso queiram tratar de alguma especificidade em frente aos demais diretores.
  2. Um bicicletário e a soma de US$ 2.350 são itens que todos os presentes compreendem e se sentem aptos a dar sua contribuição pessoal, inclusive para "compensar" a manifestação que faltou na discussão sobre o reator. Assim, discutem como deve ser a cobertura, a pintura, a sinalização como se fossem questões estratégicas sobre as quais "ganhar" a discussão tem relevância sobre a carreira e sobre o futuro da organização.
  3. Mesmo quem não sabe a diferença entre teto de zinco ou de plástico para o bicicletário terá algo a dizer sobre a qualidade comparada das marcas de café e de garrafas térmicas, ou sobre se cabe ou não à organização oferecer esse tipo de conforto às reuniões de um comitê que não é dela, e sim de seus funcionários. Aqui há espaço para gostos e paixões, sem ninguém lembrar que a hora de trabalho dos membros reunidos é mais cara que os US$ 57 que estão em debate. É bem provável até que esse ponto da pauta termine inconcluso, e o secretário da diretoria fique incumbido de obter informações adicionais junto à ABIC e a algum laboratório de controle de qualidade para a continuidade do debate na próxima reunião.

Parkinson vai ainda mais longe e conclui que em algum ponto da escala os valores chegam a um nível tão baixo que os membros da diretoria se recusam a discuti-lo, mas nos testes de campo ele não conseguiu encontrar esse ponto, que ele estima que estará entre os US$ 20 e os US$ 10.

Reconheceu algum dos aspectos da descrição acima? Eu sempre me impressiono com a forma precisa como as leis de Parkinson, escritas na década de 1960, continuam a refletir vários dos comportamentos das organizações atuais.

Se isso aconteceu com você alguma vez nos últimos 3 meses, mande uma cópia deste artigo para a sua equipe e, quando notar que a discussão está enveredando para os US$ 57, lembre a todos para que olhem mais para o reator e menos para o bicicletário 😃

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O livro "A Lei de Parkinson", inspiradíssima sátira da Administração (especialmente a Pública, com foco em relações humanas e desenvolvimento da carreira) foi escrito em 1958 por C. Northcote Parkinson, a partir de artigos de sua autoria publicados originalmente na prestigiada revista The Economist.

Eu o li pela primeira vez quando estava na primeira fase da minha graduação em Administração, e posteriormente tive oportunidade de reler várias vezes para inspirar melhorias em processos de gestão.

Aliado a várias outras sátiras de Administração (como o Princípio de Peter, ou os modernos trabalhos de Scott Adams com a turma do Dilbert), é impossível ler essas "sátiras a sério" sem perceber que as coincidências entre o material descrito e a realidade corporativa são abundantes.

Ele permanece à venda, com atualizações da mesma tradução original para o português que havia na biblioteca da minha faculdade. As notas do tradutor no rodapé são um show à parte. Não são muitas, mas ele dá um jeito de dialogar com o texto original, com o autor e com o leitor. Vale a leitura e o eventual tempo dedicado a procurá-lo. Recomendo! São 118 páginas, e a edição é da Nova Fronteira.

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