Revisão de texto: a coragem de cortar

Você escreve relatórios, artigos, trabalhos escolares e outras obras com alguma frequência? E, ao revisá-los, prefere manter um texto desconjuntado, ou mesmo incluir mais explicações, do que apagar os parágrafos iniciais e substituí-los por algo mais curto e que remova as dúvidas?

O desejo de aproveitar o que já escrevemos é comum e fácil de entender. Mas eu perco a conta do número de vezes que vejo autores se esforçando muito mais do que o razoável para tentar "salvar" um trecho de texto que não deveria mais estar ali, ou reescrevendo infinitas vezes um parágrafo que não tem salvação.

Hoje, após ter removido um capítulo inteiro de um texto técnico que estou compondo, recebi por e-mail um texto acadêmico para comentários, feito por alguém que nitidamente tentou "salvar" tudo que chegou a escrever - tem parágrafos claramente fora de contexto, conclusões de capítulos que não casam com suas introduções, e similares.

Adaptar não vai resolver, muito melhor faria o autor se revisasse alguns parágrafos com uma boa tesoura. Mas há um lado bom: pelo menos me deu a inspiração para um novo artigo por aqui!

A prática do desapego é difícil

Quando escrevi o artigo "Como começar um texto ou apresentação com mais efetividade", em 2007, compartilhei com vocês uma convicção minha: o autor precisa saber quando cortar profundamente seus textos de modo a remover os trechos que não agregam valor a seus leitores.

Na ocasião, registrei:

"Eu escrevo todos os dias, e muitas vezes sigo o exemplo dos grandes autores de best-sellers policiais: ao terminar uma coluna curta, é freqüente eu decidir cortar os 2 primeiros parágrafos inteiros, sem remorso. Em artigos maiores, às vezes a primeira página desaparece integralmente, sem prejuízo nenhum ao conteúdo."

Já no artigo "Revisão de texto: 5 dicas para aumentar a qualidade dos seus artigos", fui um pouco mais longe: duas das 5 dicas estavam relacionadas ao tema da reescrita. Cito a mim mesmo, grifando:

"4. Não se apegue ao material: às vezes você não conseguirá salvar justamente aquele trecho que deu mais trabalho em pesquisar, ou mais prazer em compor. Conforme-se, não fique tentando dar um jeito de forçar a permanência de uma parte que não se encaixa. Guarde em um outro arquivo e tente usar em um trabalho futuro, ou mesmo compor um novo trabalho a partir deste trecho.
5. Se necessário, reescreva. Se um capítulo está muito abaixo do seu nível de qualidade, ou se o artigo ficou sem pé nem cabeça, às vezes vale mais a pena reescrevê-lo do zero do que tentar consertar. Novamente: conforme-se e faça o que tem que ser feito.
"

O dilema da revisão: produtividade X qualidade

O culto à produtividade muitas vezes acaba colocando-a acima de outros atributos tão ou mais importantes, entre os quais destaco a qualidade.

Aí, por reflexo formado pela natural rejeição às permanentes tentativas de clientes (internos e externos) que desejam mudar as especificações e requisitos de um trabalho já pronto (a popular "refação"), muitas vezes quem escreve não percebe que exercer, com o vigor necessário, seu próprio poder de corte sobre um texto em andamento não é necessariamente a mesma coisa.

Para usar o mesmo paradigma acima, o corte causado por uma revisão não significa necessariamente que as especificações e requisitos mudaram - a conclusão mais comum é que os requisitos iniciais não foram atingidos. Portanto a palavra "refazer" nem se aplica tão completamente: você vai é recomeçar a fazer, porque na tentativa anterior não fez.

Produtividade em atividades criativas, como escrever, muitas vezes é um conceito difícil de aplicar objetivamente de forma ampla. Quem escreve e ganha apenas por produção (número de folhas ou toques escritos) são os digitadores, que não têm a atribuição de criar; para os autores, a produtividade da criação de texto pode ser medida apenas de maneiras agregadas ou secundárias: índice de cumprimento de prazos, de atingimento do volume mínimo necessário, etc.

Corte sem medo

Portanto, renovo minha sugestão dos artigos anteriores: corte seus textos sem medo. Quem publica muito sabe que precisa escrever muito mais do que os leitores chegarão a ver, e feliz do autor que tem a percepção de que determinados parágrafos, capítulos e artigos serão mais interessantes para o leitor se forem cortados do que se forem mantidos.

Reescrever, reordenar e recomeçar textos são tarefas que fazem parte desta arte e técnica, e você precisa estar disposto a isso todos os dias, sob pena de expor seus leitores a textos bem inferiores à qualidade que você teria condição de oferecer a eles.

Para inspirar, sugiro algumas leituras relacionadas à revisão de textos praticada com tesoura na mão:

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