Enchentes, deslizamentos e... o gerenciamento de comunicações
Em muitos casos não há como escapar das tragédias climáticas que estão em nosso caminho.
Mas nos casos em que há atitudes possíveis que podem prevenir ou minorar as consequências negativas deste tipo de evento, deixar de aplicá-las por desconhecê-las, ou mesmo por achar que esse tipo de coisa não aocontece com você, é no mínimo um desperdício.
O interesse crescente neste tema me levou, há 2 anos, a começar a buscar bibliografia. Não sei quantos artigos e sites li, mas aqui na estante é fácil contar 14 livros sobre a gestão pessoal e familiar de desastres que adquiri desde então - todos eles publicados no exterior, em países onde catástrofes naturais e não-naturais são ainda mais frequentes e intensas que as daqui, e frequentemente causam menos vítimas e danos mesmo assim.
A pequena enchente que aconteceu no meu bairro no final de semana passado (até um jacaré da reserva próxima apareceu na minha rua...) forneceu a inspiração que faltava e também o tempo livre para finalmente começar a colocar em prática a ideia de escrever um livro a respeito, que já está com 8 capítulos (sobre a preparação, provisões, refúgio em casa, deslocamentos, proteção de valores, go-bags e mais) e será lançado on-line em breve (provavelmente publicado por mim mesmo).
Da teoria à prática
Aplicar as áreas da minha formação acadêmica (sou graduado em Administração e pós-graduado em gerenciamento de projetos) à prevenção das consequências das tragédias climáticas cada vez mais frequentes é uma ideia que venho acalentando desde as enchentes do verão de 2009 em Santa Catarina, marcadas por uma série de trágicos deslizamentos em todo o meu estado natal, e cujas consequências são sentidas até hoje por inúmeras famílias.
Já estive próximo a várias destas situações, e felizmente elas nunca se converteram em tragédias pessoais para mim. Mas devo destacar: meu enfoque sobre o tema não é o mesmo que deve vir à sua cabeça quando se fala em "prevenção de desastres naturais".
Em especial, não é nada relacionado a desocupação de encostas ou replantio da mata ciliar ao longo dos cursos d'água (também excelentes ideias!), mas sim às providências que podem ser tomadas no âmbito familiar e até mesmo pessoal para evitar que você, sua família e as pessoas próximas "virem estatística" de desabrigados ou desalojados, e também para que cada enchente ou ciclone extratropical possa passar pela sua vida apenas como um grande aborrecimento e oportunidade de ajudar os necessitados, e não como uma catástrofe familiar irrecuperável.
A ideia é manter os conceitos e técnicas da Administração nos bastidores, onde mal são percebidos conscientemente - mais ou menos como já faço aqui no Efetividade - e evitar ao máximo fugir da compatibilidade plena com as recomendações oficiais dos órgãos brasileiros de Defesa Civil, onde couber, nem adentrar no território perigoso da paranóia de tentar juntar em um mesmo assunto a preparação para as enchentes nossas de cada verão e as fantasias apocalípticas e desastres incomuns, como vulcões, terremotos, dinossauros clonados, terrorismo nuclear ou uma epidemia de zumbis.
Como espero contar com o apoio de vocês para a divulgação necessária para que esta obra de prevenção chegue às pessoas que têm interesse em se precaver, resolvi compartilhar com vocês um preview: a versão de trabalho do capítulo do sub-tema que mais me agradou escrever, pois nele as questões científicas e técnicas da gestão ficam muito próximas da superfície do assunto, embora não cheguem a ser protagonistas da narrativa.
Conto com seus comentários, sugestões e - por que não? - dicas para o livro, nos comentários.
Darei notícias sobre o andamento da obra aqui e no twitter @efetividadeblog. Fiquem agora com o capítulo 6 na sua versão inicial (atualmente ele já foi convertido em 2 capítulos complementares, com um pouco mais de detalhes práticos):
6 - Contatos, encontros e planos de fuga
Depois que um evento climático já está em andamento, pode ser tarde demais para coordenar a reação dos familiares.
A família pode estar separada, com uma parte em casa e outra espalhada pelo trabalho e escola, isolada por engarrafamentos, por estradas inundadas, pontes caídas, etc.
Não há como evitar grande stress nessa situação, mas o efeito é bastante pior quando não há o alívio de um contato para saber a situação dos demais, ou para avisar que não vai dar de chegar, mas está tudo bem.
Dependendo do grau da tempestade, se houver grande destruição da infra-estrutura e necessidade de partes da família se deslocarem para abrigos isoladamente, podem transcorrer dias até que o contato entre os familiares seja reestabelecido - algo que no tempo de nossos avós era usual, mas que gera pânico a uma geração acostumada a contato permanente e instantâneo.
Em uma situação de emergência que tenha início quando os membros da família não estão juntos, é importante que todos tenham a tranquilidade necessária para poder dar prioridade a cuidar da sua segurança e dos que estão consigo, sabendo que há um plano para garantir seu contato posterior - exceto quando há na família uma pessoa incapaz de prover seu próprio cuidado (uma criança, uma pessoa doente, etc.), caso em que deve ser claro para todos quem é o responsável por acudi-la em cada situação.
É importante, portanto, ter um plano de comunicação estabelecido com a família, e que não dependa de todos manterem acesso a seus celulares e à Internet - basta que um aparelho se molhe ou que uma bateria acabe, e aquele SMS tão importante poderá ser lido apenas na semana que vem.
3 pontos de contato
Uma tática simples (desde que combinada a tempo com todos os envolvidos) é definir 3 pontos de contato e 1 ponto de encontro.
Todos os familiares precisam decorar o telefone dos 3 contatos (a agenda do celular ou em papel pode estar indisponível...) e estes contatos devem ser escolhidos assim:
- Um amigo ou parente morador da mesma região, que não seja vizinho mas cuja casa seja acessível a pé, e ao qual todos procurarão avisar onde estão e como podem ser encontrados, ao evacuar a casa ou ao visitá-la e perceber que não está acessível ou não há ninguém nela;
- Um amigo ou parente morador da mesma cidade, ao qual todos também telefonarão para avisar quando estiverem abrigados fora de casa ou não conseguirem acesso a ela, explicando como podem ser encontrados;
- Um amigo ou parente morador de uma cidade distante o suficiente para não ser atingido pelas mesmas condições climáticas que as da sua cidade, que servirá como estepe caso os outros 2 também sejam atingidos pelo mesmo problema (por exemplo, ficando sem telefone ou inacessíveis).
É importante combinar de antemão (ou seja: meses antes de haver previsão da tragédia) estes contatos, para evitar desencontros e porque as comunicações durante e após situações de desastre ambiental ficam difíceis, escassas e pouco confiáveis, razão pela qual pode ser impossível executar algum procedimento do tipo "ligar para todos os familiares, amigos e locais de trabalho, e visitar todos os vizinhos".
Estes mesmos contatos devem concordar previamente em fazer este papel (talvez sua família possa fazer o papel correspondente para eles), podem ter uma lista de outros familiares seus para avisar que tudo está bem com você, e também devem constar naquelas etiquetas do tipo "Em caso de emergência, avisar..." que se encontram em muitos documentos e valises.
Casos especiais: Crianças pequenas precisam saber desde cedo recitar o nome e número de telefone de algum responsável, bem como seu nome completo, permitindo assim o registro, a identificação e a comunicação em caso de separação acidental. Os animais de estimação também se beneficiam de uma coleira firme com medalha de identificação que traga um telefone de contato.
Ponto de encontro e cartão de fuga
Complementando, a comunicação por celular (voz, SMS e dados) costuma operar bem até mesmo quando a eletricidade já foi cortada, mas em emergências logo fica sobrecarregada, e sai do ar quando acabam as baterias e combustível dos geradores que alimentam os equipamentos da operadora. Portanto, se você vai tentar se comunicar pelo celular, faça-o o quanto antes e combine um meio alternativo de contato, pois o celular fica indisponível subitamente, de forma desigual entre as regiões, e pode demorar bastante para voltar.
Já o ponto de encontro tem uma função complementar (é útil quando há colapso completo de comunicações) e é muito mais simples de definir: deve ser um local razoavelmente abrigado e seguro (inclusive quanto a inundações), próximo, acessível e público (como a bilheteria de um terminal de ônibus, ou a entrada principal de um supermercado), no qual os familiares se esforçarão para comparecer, em horários previamente combinados (por exemplo: 4 horários no primeiro dia, 2 por dia nos próximos 2 dias, 1 por dia a partir daí) enquanto houver familiares ausentes, para poder se encontrar caso tenham se abrigado em locais diferentes e perdido o contato.
Além disso, sempre que possível, ao abandonar a casa da família ou o local de trabalho, é importante deixar pregado à porta (ou onde for possível, desde que visível) um bilhete dizendo quando isso ocorreu, para onde você foi, e como pode ser encontrado.
Como complemento ao plano de comunicações, a identificação de abrigos alternativos (como as casas de familiares), roteiros de fuga - a pé ou de carro - e planos de retorno do local de trabalho ou da escola para casa são boas ideias e evitam dúvidas sobre se é melhor aguardar ser buscado ou se colocar em movimento o quanto antes, ou se é melhor ir para o centro ou para a periferia, mesmo que seja impossível se comunicar.
Todas estas informações (pontos de contato, pontos de encontro e planos de fuga) idealmente devem ser impressos em cartões, plastificados e levados na carteira de todos os familiares, juntamente com os tipos sanguíneos, informações de alergias e medicamentos, e o telefone da Defesa Civil (199), das ambulâncias do SAMU (192), e dos Bombeiros (193).
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